Resenha: Anderson/Stolt – Invention Of Knowledge (2016)


Por Lucas Scaliza
Originalmente publicado no Escuta Essa Review

Artist: Jon Anderson / Roine Stolt
Disco: Invention Of Knowledge
Data de lançamento: 24 de Junho de 2016
Selo: InsideOut
Tempo total: 65:02
Disponível em: CD, LP & Digital

Resenha:

É o melhor do Yes que você encontrará fora do Yes

Em 2014, a superbanda Transatlantic (uma espécie de seleção do rock progressivo) se apresentou dentro de um cruzeiro cheio de outras bandas de rock e metal progressivo. Como se o show do grupo já não fosse uma constelação suficiente, tiveram Jon Anderson, o lendário vocalista do Yes, como convidado. Thomas Waber, o chefão no selo InsideOut, gostou do que viu e achou que seria uma boa ideia se Jon Anderson e Roine Stolt, o guitarrista, cantor e principal compositor da banda sueca The Flower Kings (e também do Transatlantic) trabalhassem juntos. E eles trabalharam mesmo.

Durante um ano e meio a dupla compôs e gravou músicas novas tendo em mente não exatamente a sonoridade do Yes ou do Flower Kings, mas o espírito clássico do rock progressivo atualizado para os dias de hoje – o mesmo modus operandi do Transatlantic, aliás. Por isso, ‘Invention Of Knowledge’ é composto de nove faixas para quatro suítes, como se fosse um livro em nove capítulos divididos em quatro partes. Pela internet, Anderson e Stolt trocaram ideias e gravações de suas partes até chegarem a um resultado que agradasse a ambos e funcionasse bem. “Funcionar” aqui significa ser tecnicamente apurado e gostoso de ouvir ao mesmo tempo, algo que tenha apelo junto aos fãs do rock progressivo, que passeie por diversos estilos, e que não afaste um ouvinte de fora desse nicho.

‘Invention Of Knowledge’ funciona, não tenha dúvida. Aos 71 anos, Jon Anderson continua cantando bem e ainda entrega vocais doces, suaves e melodias apaixonantes em seu timbre agudo característico e reconhecível a milhares de quilômetros. Embora não se resuma a uma faixa, a abertura com “Invention” é uma demonstração da coesão estética do trabalho e da qualidade como cantor de Anderson. Não se trata de um rock forte e poderoso como “Going For The One”, mas é uma canção cheia de imaginação que remete ao final dos anos 60 e início dos 70 com produção esmerada que não deixa os instrumentos soarem retrô.

Roine Stolt é um guitarrista de mão cheia e está incrivelmente bem colocado no disco. Como ele divide a autoria do disco com Anderson, era fácil prever que teríamos longuíssimos solos de guitarra ou uma onipresença do instrumento em cada faixa. Longe disso, ele encontrou equilíbrio perfeito ao dar espaço generoso para o resto da banda contratada para dar forma ao projeto. É claro que temos vários solos de guitarra e vários fills e arranjos entre os versos, mas nunca de uma forma intrusiva e forçada. Teclados, sintetizadores, baixo, bateria e diversas camadas de vozes desempenham papel igualmente fundamental na criação da música em ‘Invention Of Knowledge’.

Anderson e Stolt miraram alto. No caso, Tales From Topographic Oceans’ (1973) vem à mente imediatamente. Composições longas, cheias de diferentes partes e grandes refrãos, mudanças na dinâmica e trechos de elevação espiritual (quando a música não fica exatamente pesada, mas sim mais cheia de som, tentando despertar a emoção do ouvinte) fazem com que o álbum tenha a um só tempo uma cara de clássico instantâneo e seja menos rock’n’roll do que poderia ser. Na verdade, Anderson sempre teve em mente fazer música progressiva, e não rock progressivo, ao embarcar neste projeto. Assim, o preciosismo das composições é o que acaba ganhando mais destaque, em detrimento da força e da empolgação roqueira (não espere power chords cheios de distorção). Se ele parece um tantinho enfadonho, é por isso. Mas o bom gosto da dupla – refinado em mais de um ano e meio de e-mails trocados – garante a qualidade e a inegável beleza de suas nove faixas. Sem longas passagens instrumentais, passa longe de parecer o Transatlantic, mas lembra bastante a pegada do TFK.

anderson_stolt_2016

Há muito som no álbum. Não se trata de um trabalho minimalista ou que confia em alguns poucos recursos para se expressar. Mas há alguns elementos que acabam chamando nossa atenção. O baixo foi divido pelos suecos Jonas Reingold (The Flower Kings, Kaipa, Karmanic e ex-The Tangent) e Michael Stolt (ex-The Flower Kings) e é um o instrumento mais criativo do conjunto, conseguindo se libertar da base harmônica das canções e propor linhas melódicas próprias. Em “Knowing” o instrumento se divide de forma brilhante entre complemento da harmonia, instrumento de melodia, marca as acentuações do ritmo, acompanha a voz e ainda faz ambientação no finalzinho da faixa. “Chase And Harmony” é outro grande momento do baixo no álbum, assim como as bases que acompanham os solos de guitarra e a voz de Anderson em “Everybody Heals”. Uma utilização do baixo mais próxima do jazz e da música clássica que foge do rock mais genérico, mas que sempre dá as caras no rock progressivo mais imaginativo, como é o caso de ‘Invention Of Knowledge’.

As várias vozes que criam camadas e mais camadas de vocalizações, coros e harmonias também são um ponto forte do álbum. Para essa função foram convidados Daniel Gildenlöw (Pain Of Salvation), Nad Sylvan (Steve Hackett), Anja Obemayer, Marua Rerych e Kristina Westas. Não apenas reforçam a voz principal como também criam texturas interessantes. Quando cantam acompanhados de acordes de teclado e de orquestrações, são responsáveis pela sensação de grandiosidade das músicas. Talvez seja um recurso usado um pouco demais, o que contribui com a sensação de enfado, mas por outro lado é um elemento importante da estética musical do álbum.

Não tenha dúvida de que se trata de um grande álbum de música progressivo, com grandes músicos e capitaneado por duas forças criativas que sabem o que fazem. Contudo, não é perfeito. Há excesso de beleza e suavidade principalmente porque falta um contraste feito por um pouco mais e peso, riffs, distorção e até melancolia, já que é um disco muito “para cima” na maior parte do tempo. Toda a luz do conhecimento que banha ‘Invention Of Knowledge’ não cria sombras e torna tudo um pouco adocicado demais. Ainda assim, é o melhor do Yes que você encontrará fora do rock do Yes.

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FICHA TÉCNICA:
Artista: Anderson/Stolt
Ano: 2016
Álbum: Invention Of Knowledge
Gênero: Sinfônico
País: Inglaterra / Suécia
Músicos: Jon Anderson (voz, sintetizador, percussão), Roine Stolt (vocais, guitarras, violões, teclados e percussão) + Michael Stolt (baixo) Jonas Reingold (baixo, vocais), Felix Lehrmann (bateria), Tom Brislin (teclados, pianos), Lalle Larsson (piano, sintetizadores), Anja Obermayer (vocais), Daniel Gildenlöw (vocais), Kristina Westas (vocais), Maria Rerych (vocali), Nad Sylvan (vocais)
MÚSICAS:

Invention of Knowledge
1. Invention – 9:41
2. We Are Truth – 6:41
3. Knowledge- 6:30
Knowing
4. Knowing- 10:31
5. Chase and Harmony- 7:17
Everybody Heals
6. Everybody Heals- 7:36
7. Better by Far- 2:03
8. Golden Light- 3:30
Know…
9. Know…- 11:13
12. Spies – 7:23

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Autor: Lucas Scaliza

Jornalista e fotógrafo.

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